Por Théophile Gautier - escritor, poeta, jornalista e crítico literário francês ( 1811 - 1872 )
Você me pergunta, irmão, se amei; sim. É uma história singular e terrível, e embora eu tenha sessenta e seis anos, mal me atrevo a remexer as cinzas dessa lembrança. Não quero lhe recusar nada, mas não faria um relato desses a uma alma menos sofrida. São fatos tão estranhos que não consigo acreditar que tenham me acontecido. Durante mais de três anos fui o joguete de uma ilusão singular e diabólica. Eu, pobre pároco de aldeia, levei em sonho todas as noites (queira Deus que seja um sonho!) uma vida de alma danada, uma vida de mundano e de Sardanapalo. Um só olhar cheio de condescendência lançado para uma mulher por pouco não causou a perda de minha alma; mas, afinal, com a ajuda de Deus e de meu santo padroeiro, consegui expulsar o espírito maligno que se apoderara de mim. Minha existência tinha se enredado nessa existência noturna totalmente diferente. De dia, eu era um padre do Senhor, casto, ocupado com as preces e as coisas santas; de noite, mal fechava os olhos, tornava-me um jovem nobre, fino conhecedor de mulheres, cães e cavalos, jogando dados, bebendo e blasfemando; e quando, no raiar da aurora, eu despertava, parecia-me que, inversamente, eu adormecia e sonhava que era padre. Dessa vida sonâmbula restaram-me lembranças de objetos e palavras contra as quais não consigo me defender, e, embora nunca tenha ido além dos muros de meu presbitério, quem me ouvisse diria que eu era um homem que provou de tudo e deu as costas para o mundo, entrou para a religião e quer terminar no seio de Deus, enterrando os dias agitados demais, e não um humilde seminarista que envelheceu numa paróquia ignorada, no fundo de um bosque e sem nenhuma relação com as coisas do século. Sim, amei como ninguém no mundo amou, com um amor insensato e furioso, tão violento que estou espantado por não ter feito meu coração explodir. Ah!, que noites! Que noites!
Continua....
* Colaboradora Hopka Rasmuson
02/11/2012
A Morte Amorosa - Parte 1
Marcadores: A Morte Amorosa, Contos, Théophile Gautier
Postado por Sl Underground Magazine
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário